Mulheres

Enfrentando as diversas formas de violência contra a mulher em tempos de pandemia

Quando esse isolamento começou em meados de março de 2020, não tínhamos ideia do tempo que tudo isso duraria, nem o quão tudo isso seguiria incerto, ainda hoje no final de maio, inclusive com antecipação de feriados dos meses de junho, de julho e até mesmo de dezembro.

Países como China, França, Itália, Espanha que começaram a passar por essa pandemia antes do Brasil, mostrou que a violência contra a mulher seria uma outra forma de morte e, por isso, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu recomendações para que os estados estivessem atentos para fortalecer os equipamentos e torná-los ainda mais acessível para as mulheres que já vivenciavam violência e relacionamentos abusivos, antes mesmo dessa pandemia e desse isolamento social obrigatório e compulsório.

A Lei Maria da Penha enumera em seu artigo 7º cinco tipos de violências sofridas pelas mulheres, são elas: violência física, violência psicológica, violência moral, violência patrimonial e por fim e não menos importante a violência sexual. O texto de hoje será o primeiro para dialogarmos de forma mais aprofundada de cada violência vivenciada pelas mulheres nas ruas, na vida, mas, especialmente no lugar que deveria ser mais seguro: no lar.

A violência sexual pela definição da já referida Lei, diz que “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.”

A primeira coisa que precisamos dizer é que violência sexual não é somente o estupro, mas todas as formas que manipulem e oprimem a sexualidade livre das mulheres, porque infelizmente muita gente ainda pensa que o estupro é somente pênis e vagina, mas com a alteração do Código Penal houve ampliação da definição do crime para outras formas de violências sexuais, que não se limitam à penetração do pênis na vagina, mas também dedos, objetos, boca e outras formas de invasão violenta contra nossos corpos, garantindo assim às mulheres mais direitos, afinal sabemos o quanto a sociedade, o estado e o machismo tentam controlar nossos corpos, nossas mentes e nossa sexualidade.

Você já ouviu falar em estupro marital? Sim, ele existe e não é algo novo, antigamente e ainda hoje, algumas religiões entendem o casamento como uma forma de garantir a procriação da espécie, e o sexo era obrigação matrimonial das mulheres para garantir que houvesse herdeiros dessa relação. Parece distante de nós? Não mesmo! Ainda ouvimos pessoas dizerem nos dias atuais que as mulheres não podem recusar seus maridos na cama. Essa é a figura assustadora do estupro marital, na qual as mulheres casadas ou em relações fixas são tratadas como objeto para que os homens tenham prazer com a ideia perversa instituída pela religiosidade de perpetuação da espécie humana.

Outra forma de estupro que segue violentando meninas lésbicas e homens transexuais é o estupro corretivo, sim, corretivo que vem da palavra correção, que visa “corrigir” a sexualidade de pessoas que deveriam ter liberdade para seguir suas vidas independente de orientação sexual ou identidade de gênero. Esse tipo de violência foi utilizada por anos em clínicas de reabilitação para mulheres com sexualidade diversa, ou seja, mulheres lésbicas à época, submetidas a um tratamento para “curar” a homosexualidade. Precisamos lembrar que somente em 17 de maio de 1990 as pessoas LGBTQI+ deixaram de ser consideradas doentes pelo Cadastro Internacional de Doenças (CID). Esse tipo de violência segue acontecendo nos lares, e como sabemos a violência sexual normalmente acontece por pessoas que conhecemos.

Ainda nesse período, temos muitas mulheres com mais dificuldades em acessar métodos contraceptivos para prevenção da gravidez indesejada e muitas que sofreram estupro permanecem com dificuldade na garantia a efetividade do aborto legal, porque os acessos ao sistema de saúde estão cada vez mais complicados, mas é importante salientar aqui que todos os serviços de aborto legal do Brasil seguem funcionando e continua sendo possível acessar contracepção; maternidade deve ser escolha e não imposição.

Poderíamos passar dias enumerando as diversas formas de violência sexual que muitas mulheres sofrem, como por exemplo, transmissão de doença sexualmente transmissível, que é crime e se for transmissão de HIV pode ser tratado como tentativa de feminicídio e ir a júri popular. Poderíamos falar sobre a exploração sexual de mulheres na prostituição por seus companheiros ou até mesmo sobre a inclusão de pessoas no sexo sem o consentimento da parceira.

Entretanto, quero encerrar esse texto com dados alarmantes da plataforma Central Nacional de Crimes Cibernéticos da Safernet Brasil que recebe denúncias de violação de direitos humanos e revela que neste período de quarentena, já foram recebidas 667 denúncias de mulheres vítimas de violência e discriminação na internet, esse número aponta aumento de 21,27% em relação ao mesmo período do ano passado.

Nos casos de exposição de imagens íntimas o número aumentou 154,90%, sendo 70% mulheres e outra parte significativa de crianças e adolescentes. Essa nova modalidade de violência sexual é o crime de pornografia de vingança, que tem exposto mulheres e gerado danos materiais, morais, mas especialmente psicológicos para milhares de nós.