A ARTE CONTEMPORÂNEA DAS MULHERES NEGRAS


Por Carlos Maia 

Uma mulher comprometida com as causas do povo negro, em especial no campo artístico, e que vai à  luta em defesa daquilo que acredita. Esta é Danielle Anatólio, atriz mineira nascida em Belo Horizonte, que já morou em Salvador e atualmente reside no Rio de Janeiro. Ela é idealizadora e diretora geral do  Taculas – Fórum de Performances de Mulheres Negras de Belo Horizonte e Região Metropolitana que acontecerá nos dias 25 e 26 de Maio na capital mineira e Justinópolis. Conheça um pouco de sua trajetória na qual podemos ver refletida a luta das mulheres negras por uma sociedade mais justa e humana.   Do samba ao teatroSeu primeiro contato com a Arte foi dentro de casa, nas rodas de samba promovidas pela família no Bairro Suzana, em Belo Horizonte.  Aos 14 anos Danielle começou a fazer cursos de teatro e tem nas atrizes  Ruth de Souza e Lea Garcia grandes inspirações. Ela também se espelha em profissionais de outras gerações como Zezé Motta, mas cita também artistas potentes menos conhecidas como Rosana Paulino e Jaqueline Elesbão. 

Nem só as artistas  já consagradas pela grande mídia merecem a atenção de Danielle: ¨Há uma diversidade de artistas que ainda não são reconhecidos como deveria, mas que são referência para muitas.” Do seu Estado,  Minas Gerais, ela cita mulheres que são grandes artistas na contemporaneidade, como Elisa de Sena e Julia Tizumba.  

Um corpo político          

A vida dos atores e atrizes não é fácil e está bem longe do glamour apresentado na grande mídia. São anos de dedicação, estudo e trabalho árduo sem a garantia de reconhecimento e ganhos financeiros. Há muito com o que se preocupar a cada dia na construção da carreira, mas Danielle Anatólio não busca o reconhecimento apenas para si. Ela está constantemente em articulação com ouras mulheres negras que também se expressam através da arte, busca sempre o diálogo com os seus pares, lutando por uma maior visibilidade das artistas negras; o corpo negro feminino nas artes, tema apresentado em sua Dissertação de mestrado, defendida na UNIRIO, é  mola propulsora  em seu fazer artístico: “Queremos falar sobre nossos corpos dentro da sociedade, sobre a hiper sexualização e ressignificação desses corpos como locus de potência crítica-criativa.  Nosso corpo é político e nossa Arte também! Utilizamos para falar também de nossa luta, negra e feminina, de nossos corpos que ainda são violentados. A máxima de Freire ainda é vigente na século XXI: “Branca para casar, mulata para fornicar e preta para trabalhar”, afirma.  

Em 2016 Anatólio estreou o espetáculo Lótus (vencedor de Melhor Espetáculo no Prêmio Leda Maria Martins de Artes Cênicas Negras de Belo Horizonte/2018), que aborda a solidão e sexualização da mulher negra e já circulou por algumas cidades, entre elas Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. As mulheres negras sempre se identificam e se emocionam com as situações apresentadas: “Nossos corpos são historicamente marcados por muitos estereótipos,  violências físicas e simbólicas”.   

Meio Acadêmico 

Como é para uma mulher negra estar no ambiente da academia? Danielle afirma que em geral as produções intelectuais negras são ainda muito questionadas, na maior parte das vezes vistas apenas como militância: “Isto acontece porque o que escrevemos parte de uma crítica ao que é regra à universidade – o conhecimento branco eurocêntrico.” Em seu fazer artístico e político ela logo percebeu que não há como fazer uma separação dos temas: “A arte é política e nós, mulheres negras, falamos de um lugar de vivência no qual raça e gênero estão imbricados e precisamos debater isso”;  a universidade  é  ainda  muito  branca  composta  em  sua  maioria  por  homens brancos  da  elite,  que  não se abrem  ao  debate  tão  necessário  que  perpassa  pela  racialização, questões de gênero e patriarcais. Nos  últimos  anos  houve  um aumenrto da inserção  de mulheres  negras no meio acadêmico, isto a partir das políticas de ações afirmativas, mas Danielle  afirma que  ainda  há  um  longo caminho a ser  percorrido: “No  campo  das  artes  as  mulheres  negras  artistas  vem,  gradualmente  se  inserindo seja pela Graduação, Mestrado  ou  Doutorado.  No  corpo  docente  a  porcentagem  ainda  é  ínfima se comparada a quantidade de brancas no ambiente acadêmico. Há muito o que ser desconstruído. A Universidade precisa ser enegrecida com os nossos saberes e conhecimentos, como tão bem ressaltava e ensinava Makota Valdina.” 

A construção do  Táculas  

Da  necessidade  de  debater as  performances  elaboradas em Minas Gerais  Anatólio idealizou  o Fórum  Taculas.  O  objetivo  é  potencializar  e  visibilizar  a  arte  produzida  por mulheres  negras.  As  questões  do  corpo,  o  feminicídio,  feminilidades,  transexualidades  e a  violência  de  gênero cada  vez  mais são evidenciadas  por  essas  artistas. 

As performances de  mulheres  negras  falam  sobre  especificidades  que  somente  os  corpos  negros  vivenciam, nos  fala  Anatólio.  O Taculas  pretende  ser  um  espaço  de  protagonismo  da  mulher negra  bem como  evidenciar  a  produção  de  mulheres  que  estão  na  região  metropolitana fora  do  centro da Capital.  Toda a equipe  é composta  por  mulheres  negras  (lésbicas,  heterossexuais  e  transexuais)  e  a  realização  do fórum  acontecerá  nas  extremidades  da  grande  BH.  O  primeiro  dia  será na Região Noroeste, periférca, e  o  segundo  em  Justinópolis, distrito  pertencente  ao município de  Ribeirão  das  Neves.    

Para  Anatólio,  o  Fórum  deve  estabelecer um  diálogo  e  conexão  em  âmbito  nacional: Aconteceram  três  fóruns  específicos de  performances  de  mulheres  negras:  o OBÍRÍN, em  Salvador.  O CORPAS,  também  idealizado  por  Danielle  Anatólio e ocorrido no Rio de Janeiro: “Pensei o projeto em 2015, ao acessar o Mestrado, em 2016,  foi um dos objetivos da minha pesquisa, realizar a escrita sobre performances de mulheres negras, mas também promover um Fórum com elas. Assim nasceu  o CORPAS, em 2018 e agora o TACULAS, em 2019.

Segundo  Anatólio, é fundamental que aconteçam mais Fóruns e Encontros de arte negra feminina, sobretudo nos tempos em que vivemos:  “As mulheres negras artistas vem se fortalecendo enquanto artistas e profissionais por meio desses encontros. Temos muitos grupos de arte negra  no Brasil.”  O Fórum Nacional de Performance Negra, coordenado pela Cia dos Comuns e pelo Bando de Teatro Olodum, ocorre desde 2005 e já registrou inúmeros artistas, especialmente mulheres.     

Mulheres negras pensantes     

A jornada daquela menina que aos 14 anos começou nos teatros ainda irá muito longe e passará sempre pela luta por mais espaços para suas iguais. Para Anatólio é fundamental que a mulher negra esteja em todas as funções de uma ficha técnica de um espetáculo. “Nossas ancestres tiveram castrados seu poder crítico-criativo, não tiveram oportunidades de fazer e viver de sua arte.  Ainda no século XXI nós precisamos disputar espaço para ocupar funções que historicamente são mais ocupadas por homens. Por isso, os Fóruns de mulheres negras precisam acontecer, sobretudo, para problematizarmos o lugar social que ainda ocupamos e debater, por exemplo, o machismo que perdura. Precisamos questionar o porquê há mais técnicos de Luz, cenógrafos, percussionistas e diretores homens que mulheres? As mulheres artistas não são apenas as que dançam, cantam ou atuam, é preciso que tenhamos mais mulheres pensando a luz de um espetáculo, dirigindo uma companhia, em curadorias artísticas e escrevendo dramaturgia. Tudo isso é tema para reflexão e debate do Fórum Taculas,” afirma Danielle Anatólio.